Hipermodernidades 23 - Tudo é espectáculo
Nesta era hipermoderna, não se olham a meios para se espectacularizar os negócios mais obscuros no seio da vida quotidiana.
Tudo é espectáculo.
Reduz-se o objecto cultural à imagem carnavalesca e colorida do facilitismo medíocre para que as vendas se transmutem em espectáculo de palcos viciados.
A burla surge como primeira figura de um vaudeville que consome milhões na ecranização dos enganos diários, como um reality-show, que descredibiliza a vida social, económica e cultural de uma nação.
A comédia da trapaça impõe-se como espectáculo inevitável que afecta todas as áreas que influenciam os comportamentos dos seus espectadores.
A espectacularização radical do dia-a-dia dos indivíduos conduz ao logro de um happy end fictício pleno de sugestões fraudulentas.
Nada foge à teatralização da vida, à farsa, ao embuste, que a maquinaria publicitária produz para que se assegure a lotação esgotada de um espectáculo de supérfluos.
O objecto desnecessário como estrela de uma representação inevitável na intimidade de cada um.
Parece que a ficção, as lendas, os mitos, estão ao alcance de todos na teatralização da idealização como uma falsa realidade adquirida que conduz, inevitavelmente, a desastres cosméticos sociais.
A banalização da expressão artística, no seio do capitalismo do espectáculo, leva à construção de equívocos onde o joio supera o trigo, na apresentação feérica da mediocridade, numa feira de vulgaridades onde predomina o pechisbeque envolvido num papel pseudo-cultural.
A sociedade do espectáculo ganha uma dimensão gigantesca com as redes sociais onde se dramatiza a intimidade como um filme inconsequente de banalidades que transportam os seus protagonistas para uma falsa ribalta.
Comercializam-se emoções, transacionam-se imagens-lixo, o prazer pornográfico ganha estatuto artístico numa orgia abjecta que dilacera e confunde o olhar sobre o seu valor, os produtos permutados em negócios distorcem e corrompem o sentido original.
Esta transgressão constante procura rentabilizar a vitimização do ser como espectáculo televisivo ou nas redes sociais a cujo público as campanhas publicitarias impingem, em forma de arte, panaceias sociais, culturais, económicas e estéticas sustentadas na fraude dos resultados vendidos.
Ninguém escapa ao desejo de se vedetizar no seu meio, vulgarizando o ícone cinematográfico de outrora na figura do padeiro, do cozinheiro, do bombeiro, do jornalista, do manequim, do criador de moda, do político provinciano, do advogado, do futebolista.
É o negócio do híper-espectáculo no seu máximo esplendor que, pela necessidade de renovação constante dos seus protagonistas, trucida-os, como produtos fora de prazo, sob a pesada engrenagem desta máquina de enganos onde se morre, paradoxalmente, no mais violento dos anonimatos.
Luís Filipe Sarmento, Gabinete de Curiosidades, Lisboa, São Paulo, 2017
Foto: José Lorvão
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