Web descentralizada - Parte 1

in #pt4 years ago

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O objetivo desta série de dois artigos é entender o conceito de web descentralizada e de que maneira as plataformas blockchain podem fazer uso dela.

Nesta primeira parte damos um pouco de contexto à situação da web atual, aos problemas por ela criados e vamos tentar perceber que tipo de alternativas a web descentralizada apresenta.

Um espaço livre e neutro chamado Web

A web foi criada com a missão de facilitar a expansão do conhecimento, a proteção da liberdade de expressão e de funcionar como um espaço neutro, descentralizado e não discriminatório para o incentivo do debate cívico e troca de ideias.

Desde então crescemos na direção de uma web controlada por um ecossistema de plataformas fundadas e geridas pelas maiores empresas de tecnologia do mundo, que têm, entre outros papéis, o poder para intermediar aquilo que é dito online.

Enquanto que por um lado compreende-se que foi a dimensão, o poder e o investimento feito por estas plataformas que permitiu o rápido desenvolvimento da indústria, por outro é possível dizer que nunca o seu poder foi tão preocupante.

Atualmente a maior parte do tráfego online gerado para sites de notícias é proveniente de plataformas como o Facebook, Twitter e Google, o que acaba por ter uma influência enorme no tipo de notícias que o público consome diariamente. Isto torna-se principalmente alarmante por dois motivos. O primeiro tem a ver com o facto de existir um grupo reduzido e seleto de empresas — leia-se indivíduos em alguns casos — que controlam e exercem influência sobre o tipo de notícias e conteúdos que o público cria e consome. O segundo tem ver com a falta de elegibilidade destas plataformas, e com a maneira como elas conseguiram obter poder para controlar e gerir uma parte cada vez mais relevante da nossa sociedade.

Será que existe alguma alternativa para esta centralização de poder? Existirão outras opções para interagir com alguém através da internet sem ser por estas plataformas que usam e abusam da nossa privacidade e vendem a nossa atenção? Será o modelo publicitário o único viável para estas plataformas?

Para melhor responder a estas questões e muitas outras, temos primeiro que perceber o percurso percorrido pela web desde a sua infância até aos dias de hoje.

A Web

Tudo começou com a web 1.0, que era uma rede de páginas conectadas entre si através de hyperlinks. Em seguida surgiu a chamada web social, a web 2.0, e com ela vieram os blogs, os fóruns, as redes sociais e inúmeros outros meios para a criação, distribuição e consumo de conteúdos. A versão 2.0 da web trouxe muitas coisas boas como a proximidade para quem está longe ou o acesso fácil a informação, mas deu também origem aos monopólios e à centralização de poder que assistimos nos dias de hoje. Vamos então analisar mais de perto os erros cometidos por esta versão da web.

Web 2.0
A web que utilizamos todos os dias funciona numa estrutura de aplicação distribuída chamada de modelo cliente-servidor. Apesar deste ser um termo desconhecido para a maior parte das pessoas, é o modelo predominante nas redes informáticas e usado em quase todos os websites visitados. Neste modelo o computador é o “cliente” que envia um pedido de informação — nos dias de hoje é provável que o computador seja substituído por um smartphone ou um tablet— e o servidor responde ao pedido de informação com o envio dos dados solicitados em formato de imagem, texto, vídeo, ficheiro etc…

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Neste modelo — como podemos na imagem — o servidor ocupa sempre uma posição central em toda a comunicação, o que por sua vez cria um modelo centralizado de serviços de web.

Devido a posição ocupada pelo servidor nesta arquitetura, o mesmo torna-se no ponto único de falha para os websites e quando isso acontece os pedidos dos clientes não são cumpridos e o website fica indisponível. Um exemplo disso é quando um servidor fica sobrecarregado por receber demasiadas solicitações simultâneas num curto espaço de tempo. Qualquer pessoa que tente visitar o website durante esse período receberá uma mensagem de erro.

É este tipo de sobrecarga que é explorado num ataque de negação de serviço (DoS - Denial of Service attack), que é um ataque informático onde o hacker tenta tornar as páginas hospedadas nos servidores indisponíveis na rede, através de múltiplos e repetidos pedidos de informação.

Para além das limitações neste tipo de arquitectura, existe também o crescente problema relacionado com a centralização das empresas de servidores. Atualmente os servidores da empresa americana Amazon (AWS) hospedam cerca de 33% de toda a estrutura cloud existente no mercado, este valor é superior à soma das percentagens das três empresas seguintes — Google, Microsoft e IBM.

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Enquanto que há uns anos atrás a maioria dos conteúdos existentes na web eram geridos pelos utilizadores que os criavam, hoje são os servidores desta grandes empresas que controlam uma parte cada vez maior da gestão de conteúdos, numa web também ela cada vez mais vasta.

A nossa experiência como utilizadores está a ser cada vez mais influenciada pelos 5 gigantes tecnológicos: Microsoft, Google, Apple, Facebook e Amazon, e mais do que nunca é preciso procurar alternativas para esta centralização, caso contrário estas empresas continuarão a crescer e acabarão por destruir a indústria que ajudaram a criar.

Agora que entendemos um pouco melhor como funciona e o estado em que está a nossa web atual é normal ambicionarmos mais e melhor. É normal ambicionarmos uma web que possa funcionar de maneira descentralizada, livre de pressão e controlo externo. Se formos bem sucedidos e se conseguirmos executar essas ambições, esta nova web funcionará com sistemas distribuídos em vez de localizados, onde os utilizadores estarão em controlo dos seus dados e onde não existirá espaço para gigantes tecnológicos que têm como principal motivação o aumento das suas receitas astronómicas.

Web descentralizada: Uma visão de futuro

O conceito de descentralização começou a tornar-se mais mainstream com o aumento da popularidade do Bitcoin. O Bitcoin introduziu a possibilidade de um sistema financeiro verdadeiramente global, que funciona para todos e de maneira independente, sem a necessidade de intermediários ou de uma autoridade central. Este sistema opera numa rede descentralizada peer-to-peer conhecida por blockchain. No entanto, antes da introdução do white paper por Satoshi Nakamoto, conceitos como “peer-to-peer” e descentralização já eram usados por outros serviços de partilha de ficheiros como o eMule ou BitTorrent, entre outros.

Este tipo de plataformas funcionam da seguinte maneira. Atualmente se estiveres a ver um documentário na Netflix, o teu computador está diretamente ligado ao servidor da empresa de stream americana que envia de volta os dados referentes ao vídeo do documentário que queres ver. No caso das plataformas peer-to-peer o download do documentário é feito diretamente do computador de um outro utilizador que já o tenha visto e/ou que esteja disponível para o partilhar.

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É frequente que durante o processo de download te conectes a vários utilizadores diferentes que estejam disponíveis a partilhar o mesmo documentário. Isto facilita e acelera o processo, mas também permite que o sistema peer-to-peer funcione mesmo que uma ou mais pessoas abandonem a rede.

O conceito de web descentralizada está a ser desenvolvido à volta dos princípios peer-to-peer, mas com novas aplicações que vão além da partilha de ficheiros. A plataforma blockchain Ethereum acredita que é possível descentralizar quase todo aquilo que possa ser programado e pretende fazê-lo através das famosas aplicações descentralizadas (dapps) que usam a rede de distribuição da blockchain Ethereum para enviar e receber dados.

O futuro onde a web volta a ser descentralizada e controlada por todos em vez de por poucos parece estar cada vez mais perto, no entanto, o movimento para a descentralização da web apresenta inúmeros desafios. Na segunda parte deste artigo vamos analisar alguns exemplos de aplicações e sistemas descentralizados, e a maneira como estes podem ajudar a lidar com os riscos criados pela centralização das grandes plataformas. Vamos olhar também para os desafios que terão que enfrentar para não se tornarem nos próximos gigantes do mercado tecnológico.