RECENSÃO CRITICA à obra: ACORDOS SOBRE A SENTENÇA EM PROCESSO PENAL
Caros Steemers,
Estando eu, actualmente, a escrever uma dissertação de mestrado acerca da delação Premiada e da sua introdução (ou não) no ordenamento Jurídico Português, considerei relevante rever o tema dos Acordos Sobre Sentença em Processo Penal. Neste sentido apresento aqui uma pequena recensão acerca de uma obra de um dos mais destacados professores de Direito Penal e Processo Penal em Portugal:
RECENSÃO CRITICA à obra:
ACORDOS SOBRE A SENTENÇA EM PROCESSO PENAL,
o fim do Estado de Direito ou um novo “princípio”?
Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias,
(2011, Porto, Ed. Ordem Advogados Portugueses, Conselho Distrital do Porto, 114 páginas)
I
Jorge Figueiredo Dias, Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, indicia, neste texto, profundo conhecimento da legislação, doutrina, jurisprudência e literatura alemãs onde foi fundamentar grande parte da proposta que aqui se analisa. Demonstra igualmente conhecimento da legislação, doutrina, jurisprudência e literatura italianas bem como da espanhola, não esquecendo, ainda, o ordenamento jurídico francês ou, mesmo, o brasileiro. Em diversas passagens do texto faz um “exercício” de direito comparado em que, embora de forma sucinta, esclarece o estado da arte quanto ao instituto dos acordos sobre a sentença em processo penal. As notas de rodapé são exemplificativas do conhecimento investigativo do autor, e da forma clara com que sustenta as suas posições, denotando um conhecimento linguístico que o leva a dominar a literatura jurídica internacional.
Escrito com a fluidez com que tem habituado os seus leitores em toda a sua obra dedicada à investigação em direito processual penal, apresenta esta proposta de forma clara e vai buscar a escritos seus os indicadores necessários para juntar uma experiência comprovada por toda a sua bibliografia bem como da de outros autores - predominantemente da Alemanha, país onde o instituto que agora propõe mais desenvolvimentos tem tido -, seguindo o mesmo método com que eficazmente tem presenteado a comunidade académica e jurídica.
II.
O Ilustre Professor apresenta nesta obra uma proposta original e única no que ao ordenamento jurídico diz respeito, que constitui um importante passo no caminho da regeneração do sistema de justiça, pilar fundamental do Estado de Direito, de alargamento das margens e estruturas de consenso no processo penal português sem por isso afetar os seus fundamentos constitucionais ou sequer o modelo processual penal vigente.
A obra encontra-se dividida em dez capítulos onde o autor percorre um caminho refletivo que culmina no reconhecimento de que, mais do que a necessidade introduzir no ordenamento jurídico português legislação que legitime os acordos de sentença, são imprescindíveis um espirito e uma atitude novos (…) morais, dos juízes, dos procuradores, dos defensores, face à renovada intencionalidade e funcionalidade comunitária das suas missões.
A forma como encadeou as matérias e a dimensão das partes em que as dividiu fazem o leitor viajar pelo texto sem se perder, seguindo uma lógica de pensamento que pouco deixou por esclarecer.
III.
Desde logo, inicia a sua reflexão, considerando que o Estado de Direito se encontra abalado, mesmo nos seus fundamentos, como consequência da falta de confiança do povo português no seu sistema de justiça - na justiça criminal (nos juízes, ministério público, advogados) - e que este se tem mostrado incapaz de estabilizar as expetativas comunitárias na sua correção e funcionalidade.
Reiterando a sua posição quanto à defesa de um modelo do processo penal alicerçado numa estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio subsidiário e supletivo de investigação oficial - como aliás refere, em nota de rodapé, diversos estudos publicados em que essa sua posição é sustentada - critica as formas insuportáveis de atuação dos sujeitos processuais que têm por base assegurar os direitos fundamentais da pessoa, em especial do arguido: a complexificação dos procedimentos e diligências; delongas, desleixos e abusos ou chicanas inqualificáveis no exercício dos direitos processuais; tudo causas para que os processos penais se arrastem interminavelmente, as decisões se ampliem e contrariem, e que a resolução final do caso seja vista de uma forma ironicamente desinteressante por parte do público aumentando o sentimento de desconfiança e frustração.
Não deixando de considerar que o processo penal deverá manter o modelo acusatório e a sua característica adversarial o ilustre Professor esclarece, e bem, alguns equívocos doutrinários sobre o que deve ser considerado processo acusatório. Defende que devem começar a dar-se passos decisivos na incrementação de estruturas de consenso, em detrimento de estruturas de conflito, entre sujeitos processuais. Só assim se poderá ultrapassar a atual sobrecarga da justiça penal sem desabono dos princípios constitucionais adequados ao Estado de Direito.
Afasta ainda, de seguida, a ideia de que o instituto processual penal do plea bargaining somente se preocupe com as ideias de praticabilidade e de eficácia a todo o custo, de diminuição e/ou contenção de despesa pública, à custa dos ideais de justiça do caso concreto.
Lembra, quanto ao Código de Processo Penal de 1987, certos traços caraterísticos no caminho de uma certa “consensualização”. Desde logo através de institutos como os do arquivamento em caso de dispensa de pena, da suspensão provisória do processo e do processo sumaríssimo - referindo em nota de rodapé o importante estudo do Professor Costa Andrade “Consenso e oportunidade”, bem como “O Processo Penal como instrumento de Politica Criminal”, de Fernando Fernandes - e ainda, talvez de maior relevância, a regulação legal do instituto da confissão, que mergulha as suas mais profundas raízes na ideia implícita do consenso processual e dos seus efeitos sobre o decurso do processo.
O autor demostrou nesta primeira parte (introdutória) conhecimento aprofundado da matéria bem como da doutrina e bibliografia existente, como provam as inúmeras notas de rodapé com que nos presenteia, permitindo aprofundamento dos institutos que refere. No mesmo sentido (de excelência investigativa), foi a analogia feita quanto a certas tentativas de consensualização processual penal, num exercício de Direito Comparado, levadas a cabo em diversos ordenamentos da Europa Continental e da América do Sul submetidos à regra do Estado de Direito, subordinados a um modelo jurídico-penal idêntico ao português.
O processo penal português, defende ainda, não se baseia assumidamente em estruturas e procedimentos de verdadeiro consenso, mas mais simplesmente em meras concordâncias perante (ou na aceitação de) propostas ou requerimentos de um ou mais sujeitos processuais dirigidos a outro ou outros. Veja-se o caso da suspensão provisória do processo, ou do arquivamento em caso de suspensa de pena, tudo casos de concordância ou entre o juiz e o ministério público, também do arguido (ali: arts. 280/1 e aqui: 280/2 CPP); a concordância entre ministério público, juiz de instrução, o arguido e o assistente (281/1 CPP); ou ainda o exemplo do art. 396/2, a) CPP, na concordância do arguido com a - sob forma de não oposição à - sanção proposta pelo ministério público. Como se vê, o autor demonstra que estes não são procedimentos metodológicos, ou estruturas comunicacionais não ritualizadas, que sejam aplicados pelos intervenientes com vista a uma tomada de decisão, como pressuposto para se poder falar de uma autêntica estrutura de consenso.
Quanto à noção de consenso, ou filosofia de consenso, é patente, mais uma vez, o conhecimento profundo da matéria e a vertente investigativa que empresta à obra em análise. As notas de rodapé com referências bibliográficas e doutrinais enriquecem o tema. A clareza de exposição mostra uma fluidez de discurso que prendem o leitor.
Assim, o consenso como processo será quando todos os envolvidos no debate se prestam a cumprir o que for acordado através de uma norma decisória.
Importante é ainda a alusão feita pelo autor ao instituto alemão dos acordos sobre a sentença, e as referências a Habermas, e a influência que produziu no seu pensamento aquando da reforma do Código de Processo Penal (1987), de onde resultou o atual artigo 344º Confissão - o qual tem sido aplicado sem sobressaltos ou querelas doutrinais, mas com um significado e um relevo processuais que não ultrapassam a mediania.
A invocação dos direitos individuais, sem razão bastante, como entidades absolutas que recusam à partida todo o equilíbrio com direitos inalienáveis da comunidade é, na opinião do Professor, a razão de ser dos sintomas da crise avassaladora que em Portugal desabou sobre o processo penal.
Relembrando, neste sentido, palavras que escreveu anteriormente: também um unilateralismo sistemático no sentido da proteção do arguido ameaçaria o estado de Direito mesmo nos seus fundamentos, concluindo a sua introdução, perguntando se devem reputar-se admissíveis, perante a nossa Constituição processual penal (especialmente minuciosa, como é reconhecido) e o nosso sistema processual penal ordinário, conversações e acordos sobre sentença, destinados a facilitar, a simplificar e consequentemente a abreviar o procedimento e o resultado do processo.
Já em 2007, no seu escrito, “O Processo Penal Português: problemas e prospectivas”, in “Que futuro para o Direito Processual Penal? Simpósio em homenagem a Jorge de Figueiredo Dias, por ocasião dos 20 anos do Código de Processo Penal Português” 2007, Coimbra Ed, alertava para o facto de a credibilidade da justiça penal exigir que a consensualidade obedeça a regras jurídicas delineadas com o maior respeito possível pelos princípios do processo penal.
Assim, a admissibilidade de acordos sobre a sentença ao longo do decurso do processo penal corre no mesmo sentido de princípios irrenunciáveis do sistema constitucional português- da investigação, da verdade material, da publicidade, da lealdade processual (se as conversações não conduzirem ao acordo sobre sentença não pode a confissão ser referida em audiência nem tampouco valorada porquanto se tratará de uma valoração de prova proibida; o tribunal só poderá determinar a caducidade do acordo se entretanto surgirem factos novos desconhecidos aquando do procedimento de consenso), do direito ao recurso.
Ao tribunal não pode ser subtraído ou diminuído o poder-dever de instruir (supletiva e subsidiariamente embora) a causa sujeita a julgamento. O propósito central do processo penal português - constitucionalmente e legalmente definido ou pressuposto - é a investigação judicial do substrato fáctico da acusação ou pronúncia e, por aí, a conclusão sobre a verdade da culpabilidade do arguido. Neste sentido, em qualquer acordo há-de por conseguinte estar vedada a sua verificação à custa da realização dos princípios da investigação oficial (judicial) e da verdade processualmente válida (verdade material). Assim se delimitará, no que à questão da culpabilidade diz respeito, ao princípio da indisponibilidade do objeto do processo.
Qualquer acordo sobre a sentença exige como pressuposto essencial a existência de uma válida confissão pelo arguido, total ou parcial, dos factos contidos na acusação e pronúncia, só ela podendo fomentar, agilizar e simplificar o decurso do processo. O acordo apenas poderá incidir sobre os factos confessados duma forma totalmente livre e credível para o tribunal, a ponto de, se este tiver dúvidas, dever investigar tanto a questão da liberdade como da credibilidade.
As dúvidas sobre a credibilidade da confissão existirão se o tribunal não vir uma coerência absoluta entre o que se confessa e o que resulta da prova já produzida concretamente no inquérito. Já o artigo 311º/3 CPP da a prerrogativa ao juiz de afastar uma acusação “manifestamente infundada” (apesar de, neste ponto, o ilustre Professor não ter feito qualquer referência a este artigo).
Fundamento da conclusão do processo probatório será sempre a livre convicção do tribunal acerca da factualidade efetivamente ocorrida. Um acordo não poderá conduzir simplesmente à conclusão sobre a culpabilidade do arguido a partir meramente da sua confissão e sem que o tribunal livremente se convença da justeza desta. A confissão deve, em suma, ser comprovada na sua credibilidade e não devem ser omitidas, se indispensáveis, quaisquer diligências que conduzam ao seu esclarecimento. Não se pode assim considerar, conforme algumas críticas que o autor identificou na doutrina alemã, que se estaria perante, nos acordos, a substituição de um dever de esclarecimento judicial dos factos pelo valor probatório concedido aprioristicamente e em bloco à confissão. Nesta medida se cumprem os princípios da investigação e da verdade judiciais.
Quanto à confissão, ficou por falar, parece, no caso de comparticipação, e de nem todos confessarem, se pode haver acordo com um deles. Até porque, nos termos do artigo 344º/3, a) CPP ficam inviabilizados os efeitos do nº 2 do preceito, se não houver confissão eficaz de todos os co-arguidos.
Releva, ainda, o esclarecimento que nas conversações e acordos sobre sentença deverá ser proibido ao tribunal, ao ministério público e ao arguido qualquer ajuste tendente a alcançar um equilíbrio dos interesses das partes, com o intuito de negociar a justiça material. Esta negociação além de violar o princípio da indisponibilidade do objeto do processo penal, retiraria o arguido da sua posição de sujeito que lhe concede o Código Processo Penal para o tornar objeto do processo, incorrendo em inconstitucionalidade material.
Quanto à sanção, exclui-la do âmbito da validade do acordo, significaria furtá-la do seu maior valor e interesse como pilar de um processo penal funcionalmente orientado. Neste sentido, é em vista de uma circunscrição da normal discricionariedade, sujeita aos limites e procedimentos legais, de fixação da pena pelo julgador que o valor e interesse jurídico-constitucional e legal do acordo arrogarão, na prática, o seu mais relevante significado.
Como ao tribunal, e apenas a ele, pertence ponderar todas as circunstâncias do caso que relevam para a culpa e a prevenção e, em função delas, encontrar o seu exato quantum de pena, não é admissível um acordo sobre a medida concreta da pena, o qual violaria o princípio da culpa - princípio jurídico-constitucional imperativo - e aproximaria o acordo ao negócio ou barganha processual.
Para o arguido, a contrapartida ou vantagem que adviria da sua confissão, passaria a ser o estabelecimento máximo da moldura penal. O ilustre Professor, dando o exemplo da jurisprudência alemã, concorda com um acordo onde conste um limite máximo de pena que o tribunal se comprometa a não ultrapassar na sentença, não esquecendo, porém, que a fixação da medida da pena, em função de todos os critérios e fatores relevantes, continua reservada ao momento da elaboração da sentença e, consequentemente, ao tribunal. Mesmo sem acordo, o juiz vai humanamente, ao longo do procedimento, formando opiniões e juízos relevantes para o resultado do processo, sem que aí possa falar-se de ilegítima antecipação do resultado final.
O acordo deverá permitir que a sentença que venha a ter lugar deva considerar-se, no que à sanção respeita, como jurídica e substancialmente correta em atenção a todas as circunstâncias relevantes. Logo, a sanção não poderá abandonar os princípios gerais de medida da pena, em especial a sua adequação às exigências da culpa e da prevenção. Tendo em consideração o art 71º/2, a) CP o tribunal não pode, em qualquer caso, atribuir à confissão um efeito influente da medida da pena que a torne inadequada não só à culpa, mas também ao conteúdo do ilícito.
Como defende eloquentemente o autor, não se trata de fazer valer automaticamente ou por si mesmo o acordado em lugar da sentença; esta deve ser elaborada com pleno respeito pelos princípios, regras e normas gerais do Código de Processo Penal. Do que se trata é de reconhecer que uma confissão terá (deverá ter) por via de principio uma influência significativa em termos de medida de pena, de tal modo que o máximo de pena estabelecido no acordo (deverá) ser mais baixo, por vezes porventura substancialmente, do que o seria se aquela confissão não tivesse lugar.
Neste sentido deverá considerar-se que toda a confissão válida será suscetível de alcançar um efeito atenuante, só se ofendendo no acordo, o princípio da igualdade de tratamento processual, com o tratamento desigual de situações iguais, o que não é o caso quando se está perante uma confissão.
Posto isto, refere que não considera necessário consagrar-se legalmente a concessão ao arguido, nos casos de confissão, de uma atenuação especial de pena. Para tal, defende que não representa qualquer progresso na consensualização do processo penal porquanto o consenso que se verifica é apenas aquele que se revela subjacente ao instituto do guilty plea, da confissão tal como este se encontra desenhado no art. 334º CPP, e que o valor atenuante, que sempre deve ser atribuído à confissão, não se compadece com um efeito legal predeterminado de atenuação especial.
O fundamento irrenunciável de uma atenuação extraordinária da pena há-de residir na influência que a uma certa circunstância ou situação deva ser atribuída no caso, pelo legislador ou pelo aplicador, sobre a culpa e a prevenção. Conclui alegando que uma atenuação legalmente predeterminada da medida da pena iria limitar os poderes do juiz em matéria de determinação da medida concreta da pena podendo violar, no limite, o princípio da culpa.
Assim, se o acordo sobre a sentença é um procedimento destinado a favorecer, simplificar e acelerar o decurso do processo, e é em vista desta finalidade que, na medida possível e conveniente, se confere valor especial à confissão e se admite a fixação de limites da pena, isto significa que o consenso sobre o limite máximo não exprime um consenso sobre a medida da pena, bem como que a existência de um limite mínimo significa ter-se estabelecido consenso sobre as exigências da culpa e da prevenção (a avaliar concretamente, em definitivo, pelo tribunal: a medida da pena). Logo, a fixação no acordo de um limite máximo e de um mínimo torna ainda mais claro que a determinação da medida da pena é, em último termo competência, e função do tribunal. Conforme releva o autor, o máximo de pena a acordar tem de ser um tal que não exceda a medida da culpa nem as exigências ótimas da prevenção geral positiva; enquanto o mínimo tem de ser bastante para dar guarida às necessidades de defesa da ordem jurídica e de prevenção especial positiva.
Estes acordos processuais devem ser tornados públicos para que o seu conteúdo possa ser controlado por aqueles que nele participaram, e eventualmente pelo tribunal de recursos, devendo constar da ata da audiência (art. 362º CPP), pois constitui um passo essencial do procedimento. Esta publicidade deverá acontecer no momento processual da prestação de declarações do arguido, antes que seja iniciada a apresentação dos meios de prova. Isto por uma razão de certeza e de segurança, posto que será difícil e controverso afirmar fundamentadamente que em certo momento posterior ainda era (ou já não era) mais útil a celebração do acordo sobre a sentença; e ainda porque afastar-se-á a suspeita (de todo o modo infundada) de que o acordo sobre a sentença mais não é do que uma barganha encapotada.
Num artigo de opinião escrito pelos Drs. Daniel Proença de Carvalho e Rita Cunha Galvão - “Acordos sobre Sentença em Processo Penal” - é defendido que restringir a admissibilidade dos acordos à fase anterior ao inicio da produção de prova é limitar excessivamente o uso deste instrumento e, consequentemente, não extrair dele os potenciais benefícios, sobretudo quando numa fase mais avançada do processo existirá uma maior consciência do seu alcance e efeitos. Quanto a este tema o autor pergunta-se se quanto à fase de inquérito poderá e deverá transpor-se o pensamento consensual e a atuação cooperativa que os acordos sobre sentença implicam. Defende que sim e, nos termos da lei alemã para onde mais uma vez remete, que conste de acta caso se tenha chegado a um consenso. Lembra que conversações e consensos entre Ministério Público e arguido na fase de inquérito não constituem uma forma de decidir o processo e não podem por isso obstar a que se apliquem no caso as formalidades legais exigidas pela prossecução processual.
Pressuposto do acordo, reflexo da sua menção em audiência pública, será a da participação de todos os sujeitos processuais nele interessados: Tribunal, Ministério Público, arguido e assistente. Nestes termos, o ilustre mestre considera que, quanto ao arguido e seu defensor, é inquestionável que este não pode deixar de ser admitido sem qualquer limitação no processo consensual, dotado da totalidade dos poderes e dos deveres que relativamente ao julgamento lhe cabem, segundo as disposições do Código de Processo Penal e do seu estatuto profissional; Quanto ao tribunal, faz o Professor a comparação com tribunal coletivo ou tribunal de júri, considerando que as conversações preliminares podem ser deixadas (ou não) ao presidente mas que o acordo não pode ser celebrado sem a participação e a conclusão consensual de todos os membros do coletivo ou do júri.
A propósito da acusação, considera não haver dificuldades quanto ao Ministério Público, mas sim quanto ao assistente considerando preferível uma regulamentação legal dos acordos sobre sentença. Este é um sujeito processual, conforme tem sido doutrinal e jurisprudencialmente aceite, sendo legitimado para participar de forma co-constitutiva do acordo sobre a sentença. Contudo, defende, o assistente deve ser convidado a participar do procedimento de elaboração sem, todavia, lhe ser concedido o poder de invalidar o acordo alcançado pelo Tribunal, pelo Ministério Público e pelo arguido. Aproveita ainda, quanto a este tema, para criticar, e bem, no texto tal como em notas de rodapé, citando outros autores, o absurdo alargamento por razões politicas incorretas no plano político-criminal do círculo de pessoas legitimadas para se constituir assistentes.
O lesado, por outro lado, não é considerado, aqui, como entidade que deva obrigatoriamente participar do acordo sobre a sentença e condicionar, em qualquer medida, o seu êxito ou inêxito, porquanto não é sujeito do processo (penal) mas eventualmente mero participante nele. Sendo, de um ponto de vista material, sujeito da ação civil que adere ao processo penal e que como ação civil permanece até ao fim.
Por fim, tem o Professor em atenção o tema dos recursos e sua renúncia nos acordos em análise. Aqui, mais uma vez como ao longo do texto que vem sendo analisado, recorre à jurisprudência alemã do BGH. Considera que não existe qualquer vantagem ou interesse juridicamente relevante em que o tribunal aceite, sem mais, a confissão do arguido; subsiste como sua obrigação comprovar, no uso do seu poder-dever indeclinável de investigação, a liberdade e veracidade da declaração de culpabilidade do arguido.
Ademais, se quanto à questão da culpabilidade os factos confessados serão considerados provados (art. 344º/2, a) CPP) o objeto de recurso só poderia ser ou a liberdade, ou a credibilidade, na própria confissão; quanto às questões de direito não há qualquer razão para que o recurso não deva ser admissível em toda a sua extensão podendo ter como consequência a invalidação ou ineficácia do acordo sobre a sentença; quanto à questão da sanção apenas a determinação da espécie e da medida concreta da pena pode constituir objeto de recurso, pois o acordo alcançado sobre os limites máximo e mínimo da pena deve subsistir incondicionalmente. Não se identifica, assim, na renúncia ao recurso no âmbito dos acordos processuais subjacente qualquer interesse legitimo.
Coube, no texto em análise, ainda uma palavra quanto às contra-ordenações e à extensão da aplicabilidade do instituto dos acordos sobre sentença a estas. Não obstante a essência da contra-ordenação e do seu procedimento constituir um acto administrativo, os direitos dos suspeitos e dos imputados podem ser revestidos das garantias processuais básicas próprias do processo penal, relembrando que nos termos do art. 32º/10 da Constituição da República Portuguesa “nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”, concluindo o autor que o instituto que desenhou ao longo do seu texto deverá valer correspondentemente para os processos de contra-ordenação, não encontrando dificuldades inultrapassáveis.
IV.
Ao invés de intervenções formalistas e conflituais dever-se-á enveredar pelo caminho de colaboração de todos, na finalidade comum de toda a administração judiciária: no caso seja feita a melhor e mais rápida justiça. Cada um dos atores deve guardar as suas convicções, a sua ideologia e as suas especificidade e privilégios profissionais e corporativos para o campo legitimo da atuação politica. Deverá guardar-se ciosamente de deixar que aquelas sejam transpostas ou refletidas na sua atuação processual, tendo como mandamento jurídico-político o da cooperação dos sujeitos processuais em tudo quanto possa facilitar, simplificar, acelerar, fomentar, ou seja, favorecer o processo.
Faz todo o sentido que seja privilegiado o consenso como forma de agilização do processo penal, abandonando expedientes que procuram a todo custo defender interesses extra processuais. A proposta apresentada tem como único objetivo aumentar a confiança dos cidadãos no sistema de justiça, aliviando a justiça penal e não constituindo qualquer atuação contra legem, sendo urgente uma rápida e decidida intervenção legislativa na matéria. Tanto que, mais uma vez, a originalidade com que o ilustre professor brinda o leitor poderá ser a luz no meio da penumbra.
Resta saber se a jurisprudência portuguesa terá a capacidade (ou terá já tido - neste ponto são inexistentes, no texto, referências a decisões de tribunais superiores no sentido da viabilização, ou não, de acordos de sentenças em processo penal) de dar início a algum movimento, como a alemã e abrir o caminho da legitimação dos acordos sobre a sentença em processo penal.
obrigado,
João
Muito bom!!! Beijinho João. Vai ver o desafio que te lancei para o sevendaybnwchallenge. Beijinho.
Foi no desafio de ontem.
vou já ver ehehe
Obrigado Jú :))