Dinheiro como sistema de controle
Autor: Andreas Antonopoulos
Quais são as quatro principais funções da moeda?
Você provavelmente está ciente de três:
- Meio de troca
- Reserva de valor
- Unidade de conta
E a quarta?
- SISTEMA DE CONTROLE
Nós utilizamos dinheiro há milhares de anos. No entanto, o dinheiro que temos hoje é muito diferente do dinheiro que tivemos no passado, porque uma mudança nos últimos 50 anos alterou fundamentalmente o curso do dinheiro, deste sistema de comunicação de valor para outras pessoas.
Temos os três componentes: meio de troca, reserva de valor e unidade de conta; esses estiveram conosco por milênios, e então, algo aconteceu. Em 1970, Richard Nixon assinou o The Bank Secrecy Act e transformou o dinheiro em um sistema de controle. Um sistema de controle que tenta usar o dinheiro como uma ferramenta política para controlar quem é capaz de enviá-lo e recebê-lo, para quem eles são capazes de enviar dinheiro e que, em última instância, visa à vigilância completa de todas as transações financeiras em todo o mundo. Uma vigilância financeira completa, total, – totalitária.
Essa mudança, ocorrida há 50 anos, percorreu gradualmente todos os países, serviços financeiros e bancos do mundo. Richard Nixon modificou o setor de serviços financeiros transformando-o em um braço de aplicação da lei – aplicação da lei além das fronteiras, jurisdições e, mais importante, além do devido processo, controle e recurso, político e democrático.
Um policial pode confiscar o seu dinheiro, um juiz pode assinar uma autorização para congelar suas contas, e um banco pode fazer ambas as coisas sem a autorização de ninguém, e não há nada que você possa fazer a respeito, e isso se aplica em todo o mundo.
O dinheiro como um sistema de controle suplanta todas as outras funções monetárias. Quando o dinheiro é transformado em uma ferramenta de coação, suas outras funções começam a ficar deterioradas. Ele deixa de ser o melhor meio de troca porque essa função é subordinada à do sistema de aplicação da lei – ao sistema de controle -, e nesse ponto este aspecto começa a corromper tudo.
Estamos há 25 anos na revolução da internet – smartphones, celulares, telas sensíveis ao toque e conexões de dados se propagaram para mais de 2,5 bilhões de pessoas que antes não tinham essas tecnologias. O setor financeiro, contudo, está atrasado, uns 15 ou 20 anos. Não atinge as 2,5 bilhões de pessoas que não tem acesso a serviços bancários, nem as 4 bilhões que estão sub-bancarizadas. Apenas 1,5 bilhão de pessoas têm a forma mais ampla e privilegiada de serviços bancários desfrutada na maioria das democracias do mundo ocidental. Ser um credenciado como investidor autorizado colocaria você entre 0,1% das pessoas do mundo.
Há essas desigualdades no sistema financeiro: algumas pessoas que têm melhor acesso, outras têm melhores recursos e há outras ainda que têm imunidade completa. Elas podem cometer crimes contra milhões, causar despejos, fraudar a taxa básica de juros, manipular o preço do ouro no mercado, e ninguém nunca irá para a prisão. Porque quando o dinheiro se torna um sistema de controle e fiscalização, as empresas financeiras se tornam filiais desse sistema, e como tais recebem algumas vantagens. Uma das vantagens é: nunca ir para a prisão.
Bem, há exceções. Existem algumas regras fundamentais que sempre se aplicam à nossa sociedade. Bernie Madoff foi para a prisão porque ele cometeu o erro básico de roubar de pessoas ricas. Isso o sistema não tolera. Mas despejar 10 milhões de pessoas pobres de suas moradias não é problema. Criar 3,5 milhões de contas falsas no Wells Fargo também não. Perder 143 registros privados na Equifax? Nenhum executivo irá para a prisão.
Um sistema de controle corrompe a própria base do dinheiro até que ele não possa mais funcionar como meio de troca e comece a gerar exclusão econômica. A era da internet começou há 25 anos e a inclusão econômica está alcançando menos pessoas; estamos na verdade retrocedendo historicamente, porque cada vez mais países estão sendo cortados do sistema financeiro mundial. Se você não agir no melhor interesse dos EUA, você perde o seu código swift e deixa de fazer parte da rede de transferência bancária. Você deve se submeter à jurisdição universal dos tribunais americanos ou perde acesso à rede bancária internacional e ao dólar.
O problema é que essa condição de barganha tornou os serviços financeiros inatacáveis em termos de competição. Eles estão cercados por uma série de regulamentos, e esses regulamentos certamente não são sobre proteção do consumidor, eles são sobre o sistema de controle do dinheiro, a aplicação da lei, de políticas públicas e, às vezes, de medidas puramente políticas que vêm com o dinheiro. O dinheiro não flui livremente.
Eu tenho algumas más notícias para os bancos: as barras de ouro que os cercam e os protegem da concorrência são na verdade uma gaiola dourada; uma gaiola que mantém os bancos dentro do sistema de regulação que impede a concorrência externa, mas que também os impede de atuar com inovação expandindo seus negócios em mercados livres – a menos que eles façam tudo isso subordinados a um sistema de controle político.
Nesse contexto, a função de reserva de valor não funciona mais. Você não pode armazenar valor em uma moeda que pode ser confiscada por capricho, congelada por qualquer banqueiro a qualquer momento, e que sequer é uma reserva estável de valor. Se você é um país, você não pode usá-la como moeda para comprar petróleo – como sua reserva para o comércio exterior – porque caso você desagrade as superpotências elas cortarão o seu acesso ao sistema, e você não conseguirá usar petróleo. Você não pode usar o dinheiro como meio de troca se você não pode trocá-lo livremente com quem quiser. Assim, gradualmente a corrupção se espalha.
Agora, surge algo novo no horizonte: um sistema monetário que funciona na rede que é um meio de troca, uma reserva de valor e, um dia, potencialmente, uma unidade de conta, mas que nunca se tornará um sistema de controle. Ele se recusa a ser um sistema de controle. Na verdade, o princípio do seu design é a neutralidade, a abertura, o acesso sem fronteiras, a resistência à censura.
Então agora os bancos não podem mais brincar nesse espaço. Eles estão presos dentro de suas gaiolas douradas brincando de policial para as superpotências mundiais, oferecendo serviços econômicos a uma pequena fração da população humana, sacrificando 4 bilhões de pessoas no altar da pobreza para criar uma boa sensação de segurança entre a classe média vendendo mentiras como depósitos segurados – “não se preocupe, seu dinheiro é garantido pela FDIC!”.
Quantas pessoas têm FDIC ou um seguro equivalente em suas contas bancárias? Quantos gregos você acha que tinham seguro em suas contas bancárias? Todos eles. Mas essa garantia desapareceu em uma tarde – houve um corte de 20% no valor dos depósitos. Afinal, é um seguro para quem? Para você ou para os bancos? E é seguro contra o quê? A resposta é: contra crise pequena, não crise grande. Crise grande não tem seguro.
Quantos de vocês têm dinheiro nos bancos? Nenhum de vocês tem dinheiro nos bancos! Quero dizer, não é o seu dinheiro – se você é advogado, entende isso. Você tem uma conta, que é uma construção legal que eles lhe dão em troca do empréstimo não garantido do seu dinheiro para eles poderem financiar crédito para os clientes do banco. Você não possui legalmente o dinheiro que está em sua conta, mas uma construção legal que possivelmente, talvez, lhe dê direito de sacar, no ritmo que o banco permitir e a menos que você não desagrade a pessoa errada, vá no protesto errado, associe-se à organização errada ou vote no partido errado.
Talvez isso não esteja acontecendo no Canadá, claro, mas esse modelo de transformar dinheiro em um sistema de controle se espalhou como incêndio em muitos países, porque ele é o sonho de todo ditador, ele garante que os dissidentes políticos possam ser barrados no banco de forma muito eficaz. É um dos sistemas de controle mais eficazes que existem. E agora tem que enfrentar a concorrência de um sistema que não fará isso, que não pode fazer isso, que não cederá nem será cooptado.
E qual é a resposta? “Há! O Bitcoin é uma piada! As criptomoedas estão fora do sistema, ninguém quer estar fora do sistema.”
Acontece que há 6 bilhões de pessoas lá fora. Elas não querem estar fora do sistema, elas preferem estar dentro, mas eles não foram convidados e provavelmente não serão. Muitos deles não podem fazer as coisas necessárias para serem convidados ao sistema.
Existe uma geração inteira que agora descobriu as duas formas de poder que as pessoas têm. A primeira forma é a voz, e a segunda é sair. Você usa a sua voz, expressa sua vontade política e força a mudança, e quando isso não funciona, você tenta a segunda forma de poder mais importante que todos os humanos possuem, isto é, ir embora. Por milênios as fronteiras foram erguidas para impedir que as pessoas saíssem, para desacelerar sua saída. Não se consegue facilmente emigrar, partir, ir embora.
Mas o que acontece quando a saída não é um ato físico, mas um ato virtual? O que acontece quando as pessoas decidem sair do sistema financeiro de forma virtual?
Você pode manter o interior da gaiola dourada: ele está demograficamente estagnado, super alavancado, nadando em dívidas, fora de controle e serve uma pequena porção da população. Você pode escolher mantê-lo. Mas uma geração inteira de millennials já não acredita nessa ficção de segurança bancária, de possibilidades futuras, de lucros diferidos, de manipulação da taxa básica de juros, de hipotecas. Eles sairão. Eles estão saindo em massa, não apenas aqui, mais ainda mais nos países onde o sistema existente de controle é usado despoticamente e de forma opressiva. A China está saindo em massa, e isso mal começou. O Bitcoin tem apenas 9 anos.
E, então, o que as pessoas de dentro do sistema fazem? O que os reguladores fazem em resposta a um sistema que não pode ser regulado? Eles regulam as pequenas partes que eles conseguem: as corretoras, as contas bancárias, o lado das coisas que envolve a moeda nacional, bloqueando as vias de acesso e de saída, e dizem: “nós não deixaremos você levar o seu dinheiro com você.”
E como a atual geração agora pode responder? “Eu não tenho nenhum dinheiro com você. Tudo o que tenho é o meu potencial criativo, meu espírito, minha produtividade, e posso vender isso diretamente por bitcoin sem um intermediário, e quando eu precisar comprar algo, usarei a minha moeda digital diretamente sem reentrar no seu sistema, para o qual eu nunca fui convidado, diga-se de passagem. Bloqueie o acesso, bloqueie as saídas; eu permanecerei à bordo. Permanecerei digital. Não vou mais tocar na sua gaiola dourada porque eu não preciso de você. Eu saí.”
NDT : Este artigo é a transcrição de uma palestra dada por Andreas Antonopoulos em outubro de 2017.