📷Tertúlia Portuguesa
Tertúlia Portuguesa
✅1582 | A Cruel e Espantosa Batalha Naval de Vila Franca
No quadro da crise dinástica portuguesa de 1580, entre os dias 22 e 26 de julho de 1582, ao largo de Vila Franca do Campo, na costa sul da ilha de São Miguel, aconteceu uma batalha naval entre uma armada espanhola e uma armada francesa, com a particularidade de haver portugueses em ambas as armadas.
Gaspar Frutuoso, que então era vigário da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela na vila da Ribeira Grande, referiu-se à batalha como a “cruel e espantosa batalha naval que houve entre as duas armadas, hespanhola e francêsa, defronte da ilha de S. Miguel, da parte do sul, e da gloriosa victoria que houveram os hespanhoes dos francêses”.
A recusa da ilha Terceira e das ilhas de Baixo em obedecer a Filipe II, bem como a humilhação que constituiu a tentativa de desembarque castelhano do dia 25 de julho de 1581 na baía da Salga, levou Filipe II a mandar preparar uma grande armada em Lisboa comandada por D. Álvaro de Bazán, marquês de Santa Cruz, mas também uma outra em Cádis comandada por Juan Martínez de Recalde, para seguirem para a ilha de São Miguel e, a partir daí, assegurarem o domínio de todas as ilhas dos Açores.
Entretanto, ao saber-se em Lisboa que já largara de França para os Açores uma frota de mercenários comandada por Filippo Strozzi, um florentino ao serviço da França, na qual seguia D. António, o Prior do Crato, assim como muitos portugueses que apoiavam a sua pretensão ao trono de Portugal, foi decidido apressar a preparação das armadas de Filipe II.
Começou por ser enviada uma esquadrilha de seis navios às ordens de Pedro Peixoto como vanguarda da grande armada, que chegou à ilha de São Miguel no princípio de maio. Aí encontrou-se com uma esquadrilha francesa comandada por Mr. Landroy, tendo-se travado “uma rija peleja e, depois de grande mortandade de parte a parte”, ambos se retiraram sem vantagem, tendo Peixoto seguido para São Miguel e Landroy para a Terceira.
A armada de mercenários franceses, onde estava embarcado D. António, tinha beneficiado de bom tempo e chegou à ilha de São Miguel no dia 14 de julho com setenta navios de vários tipos e sete mil homens. Não tendo obtido a adesão dos micaelenses, cerca de cinco mil homens desembarcaram próximo da vila da Lagoa e dirigiram-se para Ponta Delgada que, depois de alguma resistência, se rendeu, “tendo morrido duzentos dos defensores e poucos dos invasores”.
Entretanto, a armada do Marquês de Santa Cruz, onde se incluíam os galeões portugueses São Martinho e São Mateus, tinha largado de Lisboa no dia 10 de julho e, depois de uma viagem sob mau tempo, fundeou em Vila Franca do Campo no dia 22 de julho, com vinte e oito naus e cinco patachos.
Logo que foi conhecida a presença nas águas açorianas da frota do marquês de Santa Cruz, na armada de Filippo Strozzi foi tomada a decisão de retirar D. António para a ilha Terceira, onde estava prevista a sua aclamação no dia 23 de julho, enquanto os outros navios se prepararam para ir ao encontro dos navios espanhóis de D. Álvaro de Bazán.
Ao fim da tarde do dia 22 de julho, a frota francesa largou de Ponta Delgada com rumo a Vila Franca do Campo, distante cerca de 12 milhas, tendo as duas armadas chegado ao contacto visual, mas sem que tenham combatido. Os franceses dispunham de cinco naus e dez patachos, enquanto os espanhóis tinham dois galeões e vinte e cinco naus e urcas, mas “a armada de D. Álvaro de Bazán disporia de 620 canhões, ao passo que a frota de Strozzi disporia somente de 260”.
A Batalha Naval de Vila Franca
Nos três dias seguintes, o vento soprou fraco e as duas armadas manobraram e vigiaram-se, tendo navegado alternadamente em linha ou em coluna, de acordo com o vento e os princípios da táctica naval. Porém, a vantagem estava do lado espanhol, não só pelo número de peças que podiam usar no combate de artilharia, mas também porque os seus navios eram mais alterosos, o que lhes dava vantagem em eventuais situações de abordagem.
Na manhã do dia 26 de julho, o galeão São Mateus saiu inesperadamente da sua formatura e aproximou-se dos navios franceses. Strozzi aproveitou a oportunidade e fez investir as suas cinco naus, uma comandada pelo próprio Strozzi e outra por Brissac, que aferraram o galeão português, uma por cada bordo, enquanto as outras três naus se mantinham nas proximidades. Cercado por cinco navios, o galeão São Mateus enfrentou a abordagem das duas naus que o tinham aferrado e travava um duelo de artilharia com as outras três naus.
A luta pela tomada do galeão São Mateus foi dura e as naus francesas estavam cheias de mortos e feridos. Contemporâneo desta batalha, Gaspar Frutuoso escreveu:
“Era tanta a fúria e bataria, que parecia fundir-se a terra, abrir-se o ceu, romper-se o ar, mudar-se o mar e embravecerem-se as ondas, que então estavam quietas, andando os homens n’elas embravecidos, feitos ondas furiosas; até as enxarcias parecia que davam gritos, lamentando tantos destroços e mortes, derribadas com os golpes dos pelouros.”
Chegaram depois outros navios e “formou-se uma molhada de oito navios, três espanhóis e cinco franceses, que mais parecia a imagem do inferno” em que o combate inicial se alargou e endureceu. Na nau de Strozzi haveria mais de quatrocentos mortos e ele próprio jazia moribundo no convés, enquanto ao seu lado se encontrava D. Francisco de Portugal, 3º conde de Vimioso e condestável de D. António, também gravemente ferido com dois tiros de arcabuz e uma estocada.
A sangrenta e feroz batalha terminara e Gaspar Frutuoso escreveu:
“Finalmente, depois da nossa armada pelejar cinco horas tão valorosamente, como era necessario e os imigos o requeriam, por vir na sua armada quasi a frol de toda França, houve Deus, Nosso Senhor, por bem dar victoria á nossa armada, tocando a capitania do marquez uma trombêta em sinal d’ela, e houve grande destroço e mortandade.”
No final da batalha, os franceses tiveram uma grande derrota e enormes perdas, que Gaspar Frutuoso avaliou em três mil mortos, enquanto o cronista espanhol Antonio de Herrera referiu três mil e quinhentos mortos, além de muitos feridos. Os mercenários franceses perderam as suas cinco naus, tendo a nau de Strozzi sido trazida para Lisboa como troféu de guerra.
Relativamente aos prisioneiros franceses, D. Álvaro de Bazán foi de uma crueldade extrema. Num cadafalso que mandara instalar na praça de Vila Franca do Campo, determinou que oitenta e três fidalgos franceses fossem degolados e obra de cento e cinquenta, ditos de baixa qualidade, fossem enforcados perto do porto e, ainda, outros vinte e cinco no mais alto lugar do ilhéu da vila.
Os espanhóis tiveram duzentos e vinte e quatro mortos e quinhentos e cinquenta feridos, mas não perderam qualquer navio, embora o galeão São Mateus, bem como as naus e as urcas que suportaram o maior peso da batalha, tenham ficado bastante danificados.
A participação portuguesa nesta batalha foi pouco significativa, embora o seu principal protagonista tivesse sido exatamente o galeão português São Mateus.
A batalha de Vila Franca, por vezes designada por batalha de Ponta Delgada, foi o maior recontro de toda a campanha de Filipe II contra os partidários de D. António. Foi a primeira batalha naval em que intervieram os grandes galeões e “a mais célebre de todas as batalhas que tem havido nos mares dos Açores.”
No dia 15 de setembro de 1582, entraram no estuário do Tejo cerca de cento e vinte navios, representando o domínio de Filipe II sobre os mares e os impérios territoriais ibéricos.
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