📷Tertúlia Portuguesa

Tertúlia Portuguesa

✅1591 | A Batalha da Ilha das Flores e a Captura do Revenge

Depois da sua vitória sobre a Invencível Armada de Filipe II em 1588, os ingleses tinham-se tornado mais arrojados e passaram a disputar a hegemonia dos mares atlânticos que, até então, tinha pertencido aos países ibéricos.

As campanhas inglesas contra a navegação ibérica nos mares dos Açores intensificaram-se e, em meados de março de 1591, largou de Portsmouth uma armada constituída por sete galeões da Marinha Real e duas dezenas de unidades pertencentes a armadores privados, com o propósito de esperar e capturar a frota espanhola proveniente da Nova Espanha.

Nessa armada destacavam-se o galeão Defiance, comandado por Thomas Howard, almirante da expedição, e o galeão Revenge, comandado por Richard Grenville. Eram navios com 500 toneladas de deslocamento, cerca de 40 metros e com 250 tripulantes, sendo o Revenge considerado “the finest galleon in the world”.

No contexto da enorme rivalidade e do estado de guerra entre os dois países, a Espanha também preparou e mandou sair para os Açores uma armada comandada por D. Alonso de Bazán, constituída por quarenta e cinco unidades, a que se juntaram oito navios da esquadra de Portugal, com o propósito de esperar nos Açores e dar proteção aos navios espanhóis e portugueses que regressavam das Índias. Segundo D. Alonso de Bazán, “never have so many fine ships been brought together” e, segundo um oficial espanhol, a armada era “the biggest and best that has ever been seen”.

O Encontro

O encontro entre as duas armadas era inevitável e aconteceu no dia 30 de agosto de 1591 ao largo da ilha das Flores. Ao amanhecer desse dia, a frota espanhola que saíra de Angra aproximava-se da ilha, tendo feito um reconhecimento para conhecer a posição da armada inglesa. Verificando que esta estava fundeada na zona abrigada do nordeste da ilha, D. Alonso de Bazán dividiu as suas forças para surpreender e deixar os ingleses entre dois fogos.

O corpo principal da armada espanhola, comandado por ele próprio, contornou a ilha por sul e ocidente, enquanto a outra parte, que incluía sete galeões do esquadrão de Castela e era comandada por Marcos de Aramburu, contornou a ilha por oriente, num movimento envolvente para cercar os navios ingleses que estavam fundeados na baía a nordeste da ilha.

Porém, aqueles navios tinham muito pessoal em terra: uns a providenciar aguada e víveres, outros a recuperar das doenças e outros ainda em serviço de vigia. Mas, em vez de avistarem a frota da Nova Espanha, os vigias foram surpreendidos pela poderosa frota de D. Alonso de Bazán.

Logo que avistaram a armada espanhola, os navios ingleses suspenderam ou cortaram amarras e navegaram para norte, em direção à ilha do Corvo, posicionando-se a barlavento dos navios espanhóis. Porém, por razões desconhecidas, o Revenge continuou fundeado — possivelmente aguardando o embarque de pessoal em terra.

Quando suspendeu, os navios espanhóis já se tinham aproximado e preparavam-se para a abordagem. O galeão San Felipe, de Cláudio Beamonte, foi o primeiro que aferrou o Revenge, mas o cabo de arpéu quebrou-se e o navio afastou-se, tendo deixado dez homens a bordo do navio inglês que provavelmente foram mortos de imediato.

Porém, o galeão San Bernabé, de Martín de Bertandona, teve êxito na sua abordagem e, numa segunda tentativa, também o San Felipe conseguiu aferroar o Revenge. O combate foi violento, com tiros de mosquete, peças de reduzido calibre, panelas de pólvora e metralha. Houve muito fogo, muito fumo, muitos mortos e feridos.

Ao cair da noite, o galeão San Cristóbal, de Marcos de Aramburu, conseguiu atracar à popa do Revenge, mas foi repelido pelos mosqueteiros ingleses. O mesmo aconteceu aos galeões de Beamonte e Bertandona.

Vieram depois o galeão basco La Assunción, de Antonio Manrique, e o galeão português La Serena, de D. Luís Coutinho. O combate continuou furioso, sem que os ingleses cedessem. Isolado dos outros navios ingleses, o Revenge continuava a resistir.

Pelas onze horas da noite, Richard Grenville estava gravemente ferido e só então consentiu em ser levado para um pavimento inferior do navio para ser assistido.

O Fim do Revenge

Aos primeiros alvores, o Revenge estava completamente destroçado, sem mastros, com os pavimentos ensopados em sangue e pejados de mortos e moribundos. Ao ser informado de que a pólvora se tinha praticamente acabado, Grenville deu ordem para que afundassem o navio, mas os oficiais recusaram e convenceram-no a aceitar a rendição.

Quando o Revenge se rendeu, tinha seis pés de água no porão, nenhum mastro de pé e apenas 60 homens vivos, quase todos feridos, de uma guarnição original de cerca de 250 homens — mas com apenas uns 100 em condições de combater.

Tinham sido quinze horas de luta. As perdas totais de espanhóis e portugueses foram cerca de cem mortos e um número maior de feridos.

Richard Grenville foi conduzido para o galeão San Pablo, de D. Alonso de Bazán, onde foi acolhido com grande respeito, mas faleceu dois dias depois devido à gravidade dos seus ferimentos. Os sobreviventes ingleses foram distribuídos por outros navios espanhóis.

Houve, entretanto, uma disputa entre bascos e portugueses, pois ambos reivindicavam a honra de ter sido os primeiros a abordar o Revenge. No entanto, tanto o navio de Antonio Manrique quanto o de D. Luís Coutinho estavam com os cascos tão danificados que, ao colidirem, afundaram-se — encerrando a polémica.

Para os espanhóis, o Revenge tornou-se um troféu de guerra, já que tinha sido o navio-almirante de Francis Drake em 1588. Após ser calafetado e guarnecido por espanhóis, foi levado para a ilha de São Miguel, com destino a Lisboa.

Porém, ao fim de cinco dias de viagem, perdeu-se com duzentos homens a bordo numa violenta tempestade que assolou os Açores, na qual se perderam também mais quinze ou dezesseis navios espanhóis.

Outro registo indica que o Revenge se perdeu contra as rochas na ponta da Serreta, na costa ocidental da ilha Terceira, com setenta homens a bordo. Outra versão relata que se perdeu nos ilhéus das Cabras, próximo da baía de Angra.

Testemunhos e Memória

Jan Huygen van Linschoten, que se encontrava então em Angra, visitou os navios após a batalha e falou com alguns intervenientes:

“À sua chegada, fui com o meu camarada ver os navios, por curiosidade, para ouvir o que se tinha passado. Ao chegarmos a um navio, que era um biscainho grande, um dos doze apóstolos, o capitão, que era um tal Bertandono [...], convidou-nos, porque ainda estava à mesa com o capitão inglês preso, que estava a comer a seu lado, vestido de veludo preto.”

“O capitão inglês conseguiu autorização do governador para sair em terra com a sua arma à cinta, e foi ter à nossa hospedaria […]. Também o mestre inglês saiu em terra [...]. Tinha dez ou doze feridas ou lesões, tanto na cabeça como no corpo.”

Para os ingleses, Richard Grenville foi elevado à condição de herói. A sua bravura foi celebrada por vários autores em extensa literatura sobre a batalha da Ilha das Flores.

Contudo, como é comum em muitos relatos históricos, as fontes espanholas e inglesas divergem na apreciação do episódio.

Américo da Costa Ramalho, académico português, sintetizou a figura de Richard Grenville:

“Antes de Nelson, é Richard Grenville o símbolo máximo do heroísmo e tenacidade dos marinheiros ingleses, e nem a glória do vencedor de Trafalgar conseguiu apagar a recordação brilhante do feito de armas, cometido no começo da última década do século XVI, em águas açorianas.”

O facto é que “o último combate do Revenge” ou a glória de Richard Grenville são temas abundantemente tratados na historiografia inglesa.


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Tertúlia Portuguesa - De Portugal para o Mundo!


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